La Penseuse (A Pensadora),
Pierre Auguste de Renoir, 1877.
Collection of Mr. Jack Cotton

 


O AMOR PATOLÓGICO



Por Daniel Hercos (*)

 


Publicada na JM Magazine n.º22
em Julho/Agosto de 2008

O filósofo grego Platão (427 a.C. a 347 a.C) descrevia o amor como sentimento "autêntico" que liberta o indivíduo do sofrimento e conduz sua alma ao "banquete divino" este seria distinto do "amor possessivo", que persegue o outro como um objeto a ser devorado.
Mas foi só recentemente que estas diferentes formas de amor passaram a ser estudadas. Cuidar do ser amado é uma atitude normal em qualquer relacionamento saudável. Ela se torna um problema quando esse comportamento sai fora do controle levando a pessoa a abandonar tudo o que antes considerava importante para viver apenas em função do suposto companheiro.


Mais grave ainda, alguns pacientes passam anos a cuidar do ex-namorado. Apesar de não tê-lo por perto, muitas vezes casado e já  com filhos, não encontram meios de se desligar. A obsessão leva a acreditar que mantém um relacionamento através de situações como telefonemas e vigilância dos movimentos diários do outro criando uma pseudo-relação. Até que buscam tratamento e descobrem que nunca foram correspondidas. Muitas vezes já com danos existenciais irreparáveis. Tem incidência em ambos os sexos e aparece frequentemente associada ao abuso e dependência de álcool e outras drogas.

Este tipo de quadro constitui um transtorno psiquiátrico ainda com dificuldades para classificação, entretanto devido aos pensamentos recorrentes e comportamento repetitivo parece se aproximar bastante da patologia conhecida como "transtorno obsessivo compulsivo" (TOC). Na verdade o tratamento só é possível quando o paciente admite estar fora de controle. Comumente procura ajuda no corte da relação por parte do companheiro projetado. Segue-se a dificuldade de aceitação e forte angústia. Envolve a necessidade de acompanhamento psicológico e psiquiátrico com fármacos voltados sobretudo para sintomas depressivos/ansiosos e de conduta.

 
MUITO ALÉM DE UMA LENDA
 

Com pensamento fértil o paciente constrói fantasias que se transformam em armadilhas. Adoecido, porém visionário e aventureiro acredita que sua vida afetiva é uma lenda aonde chegará a um final feliz. Confuso acredita que lendas viram fatos. E dos fatos fazem sua verdade.

Deliciam-se acreditando que podem escutar as palavras contidas na alma do outro. Acabam por estabelecer relações patológicas. Assim,trágicos desencontros podem nascer de situações aparentemente simples. Pessoas ocupam seu vazio interior em busca de uma ilusão que pode sacrificar anos que dificilmente poderão ser resgatados. Na busca da felicidade se fascinam até com a palavra não dita e o sentimento não correspondido. Fazem castelos com portas e janelas generosas prontas para acolher o ser amado. Impávido e calado o amante torna-se impotente. As palavras se fazem supérfluas e a verdade do paciente se faz contundente.

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Se observarmos, muitas vezes encontramos depressão e ansiedade na infância trazendo relacionamentos tensos e conturbados na vida adulta. O amor não é simplesmente uma emoção, mas sim um instinto como a fome, e que foi instalado em nosso cérebro ao longo da evolução da espécie humana. Por vezes é complicado estabelecer o limite entre o normal e o patológico nas atitudes de um individuo para com seu parceiro. Suspeitas, adivinhações podem não ser suficientes para que o outro possa agir com clareza diante do enfermo. Em geral, enrolado e tímido, apresenta medo e insegurança. A pessoa escolhe ficar resignada diante do paciente não permitindo o desfecho para evitar mágoas que possam atingir sua zona de conforto.

Na verdade falta a frase não dita quando deveria ser falada, aquela negada quando falar teria sido importante. O drama é maior porque muitas vezes ambos não sabem dos reais sentimentos. Na dúvida para não doer se calam.

 

SINALIZADORES DO TRANSTORNO

Alguns sinais e sintomas que podem indicar que o indivíduo sofre
de amor patológico:


1- Sintomas de abstinência, como angústia,taquicardia e suor na ausência do ser amado.

2- Preocupação excessiva com o outro.

3- Tentativas mal sucedidas de reduzir ou controlar o comportamento patológico.

4- Tempo grande despendido no controle das atividades do parceiro.

5- Abandono de interesses e atividades antes valorizadas.

6- O quadro se mantém apesar de representar problemas pessoais e familiares.



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