Publicado na Revista JM Magazine, n.º12 - Dezembro/2005

 

O Mundo Antigo (3000 a.C. - Séc. V d.C.)

As Civilizações dos Grandes Rios

Os Rios Tigre e Eufrates: SUMÉRIOS, ASSÍRIOS E BABILÔNIOS


Rio Tigre - 722 a.C. - Museu Ferguson - Londres (reconst.)
 

Na falta de documentos de época, a medicina primitiva pode ser apenas conjeturada. O homem, assistindo impotente a morte de seus semelhantes, acabou por se convencer de que a doença, a dor e a morte eram causadas por demônios. A medicina da civilização suméria, que surgiu há seis mil anos em Ur, na Mesopotâmia, é a mais antiga da qual se tem conhecimento. Sua base era a astrologia.

Estabeleceram relações entre os movimentos dos astros e as estações climáticas e entre as mudanças de estação e as doenças.
Foram absorvidos por volta do ano 2000 a.C. pelos assírios e babilônios que conquistaram a Mesopotâmia. Arqueólogos encontraram placas de argila usadas pelos sacerdotes na Mesopotâmia com inscrições de tratados médicos completos. Estes acreditavam que o sangue era a fonte de todas as funções do corpo; sendo o fígado o centro de distribuição do sangue, ele era portanto, a fonte da vida.



Demônio Mesopotâmico - 1120 a.C. (Museu Britânico)

A medicina entre os assírios e os babilônios era prerrogativa dos sacerdotes, que prestava conta aos deuses. Já os cirurgiões eram homens do povo, responsáveis perante o Estado pela condição de suas operações.
Os médicos receitavam medicamentos sob forma de comprimidos, pílulas, pós enemas, pressários e supositórios. Em suas visitas, sempre carregavam drogas, bandagens e instrumentos, e tinham por hábito anotar, após as consultas os resultados de suas observações em placas de argila.


A dor de cabeça provém do inferno (...) Tem a cabeça de um demônio, a forma de um turbilhão... O aspecto de um céu enfarruscado, o vulto como a sombra profunda das florestas. Sua mão é uma emboscada, seu pé uma armadilha. Ele queima os membros, sacode-os, devasta o corpo, é um mal que rompe os ossos como um vaso de argila...

O DEMÔNIO DA DOR DE CABEÇA
(de um documento mesopotâmico)

   

 

O Vale do Rio Nilo:
O CRESCENTE FÉRTIL E A MEDICINA DO EGITO


Tutankhamon final da 18º dinastia - Museu do Cairo

No Egito a medicina era dividida da seguinte maneira: cada médico se ocupava de uma doença específica. Em todos os lugares, havia muitos profissionais; alguns eram especialistas dos olhos, outros da cabeça, uns dos dentes, outros ainda, dos intestinos, e muitos dos distúrbios internos. (Heródoto - Filósofo grego, descreveu assim a medicina do Egito).


Com o passar dos séculos, a medicina apresentou poucos avanços no vale do Nilo. Ela era praticada com o objetivo de exorcizar os pacientes dos poderes demoníacos. Todas as curas eram reveladas pelos deuses e codificadas por "Tot", que, segundo a tradição, inventou as ciências e as artes, conhecia os segredos e sabia como causar e curar doenças. Acredita-se que ele tenha sido o precursos das práticas mágicas por meio de simpatias.

Embalsamento (Sarcófago de Khonsu, Novo Império)
Cerca de 1580-1085 a.C.


"Se examinares um homem que sofre do estômago, que se queixa de dores no braço e no peito, mais precisamente na parte lateral... Diz-se então que se trata da doença vital... Deves dizer"é a morte que se aproxima dele..."
(Do papiro de Ebers, 1550 a.C.)


Além disso, os médicos dispunham das facilidades investigativas propiciadas pelo costume de embalsamento dos mortos. O acesso a cadáveres em condições de estudo portanto era bem mais amplo. Ao contrário dos assírios e babilônios, que acreditavam ser o fígado o berço da vida, os egípcios consideravam a respiração a função vital mais importante. Eles sabiam que o coração era o centro da circulação sanguínea, mas acreditavam que a circulação dependia da respiração.

 

O Rio Indo: A MEDICINA ORIENTAL NA ÍNDIA

Morte de Alexandre "O Grande" - Museu Metropolitano de Nova York - cerca de 330 a.C.

O primeiro período da medicina indiana começou com a invasão hindu do Punjab, por volta de 1500 a.C. Foi nessa época que os livros de Veda (Aprendizado) foram escritos. Entre eles havia o Ayurveda (Veda da longa vida) que tratava especificamente de medicina. O início do século IX a.C. marcou o apogeu da medicina indiana. Os dois grandes médicos hindus, "Charaka" e "Susruta" viveram nesse período.

A principal característica da medicina na Índia antiga, era a tendência para a elaboração de um sistema altamente segmentado com um nicho para cada conceito.
Os indianos eram muito adiantados no campo da cirurgia plástica. As plásticas de nariz eram comuns, isso porque o adultério era punido com a mutilação do nariz. Muitas doenças eram atribuídas ao desequilíbrio entre os três humores físicos: espírito, bílis e fleuma. Havia também os humores morais cuja perturbação podia causar doenças físicas. Tal idéia é o princípio atual da doença psicossomática. Em 664 d.C. após a conquista muçulmana, houve a introdução da medicina árabe na Índia.


 

 



Gigante tendo um dente extraído. Baixo relevo budista do século II a.C.

 

Há um caminho que passa pelo meio, evita os extremos (...) Este caminho que abre os olhos e a inteligência, que leva a paz à mente, e a uma mais alta sabedoria, à iluminação total, O NIRVANA (...)
(De um texto indiano)

 


Pintura da época tardia um ancião que sofre e um enfermo, mostra a vida de Siddhàrta. Século IV a.C.

 

Nas planícies do Rio Amarelo: A MEDICINA CHINESA


Ao imperador Shen Nung, que teria governado de 2838-2698 a.C. é atribuída a invenção da medicina, sob a inspiração de Pan Ku, o deus da criação segundo a tradição taoísta: o caos foi superado e a ordem foi estabelecida com base nos dois pólos opostos, yin e yang.
O princípio Yang é positivo, ativo e masculino, representado pelo céu, pela luz, pelo poder, pela dureza, pelo calor, pela secura e pelo lado esquerdo. O princípio Yin or sua vez é negativo, passivo e feminino, representado pela Lua, pela terra, pelas trevas, pelo frio, pela umidade e pelo lado direito.

A medicina chinesa era baseada nesses dois princípios, Yin e Yang, que, juntamente com o sangue, constituiam a substância vital que circulava pelo corpo. Acreditava-se que a doença era causada por um desequilíbrio dos dois princípios.


Prática do Taoísmo - Coleção particular

A morte acontecia quando o fluxo cessava. Esse princípio é considerado até hoje por algumas vertentes naturalistas. Outra contribuição especial de Shen Nung foi o Herbário, no qual apresenta uma lista de 365 ervas, prescrições e venenos em três volumes. Os médicos chineses não se aprofundavam no histórico de seus pacientes, nem efetuavam exames físicos detalhados. Para obter o diagnóstico, se limitavam a tomar o pulso de diferentes maneiras, pois o mesmo indi-

cava o fluxo do elemento vital, formado pela união de yin e yang com o sangue. A prática médica tipicamente chinesa, praticada ainda hoje, é a acupuntura. O método consiste em espetar a pele do paciente com agulhas de ouro, prata ou ferro, frias ou quentes, de comprimentos variados.
O objetivo é remover qualquer obstrução do chin, loh ou sun, vasos que transportam os dois princípios vitais, o sangue e o ar. São pelo menos 365 pontos onde se pode aplicar a acupuntura.


(...) Alquimistas tentavam manipular o ouro, o principal objetivo era impedir a morte. O metal era inalterável e por isso imortal! A partir deste poderia preparar-se a pílula da eternidade. Ingerir alimentos em pratos feitos com ouro poderia resultar em longevidade..
(Da alquimia chinesa)



Baixo-relevo que representa Asclépio curando a escápula Arquinos, mordido por uma serpente (primeira metade do séc. IV a.C.) - Museu Arqueológico de Atenas




Porcelana grega - 560 a.C.
Biblioteca Nacional de Paris


A mitologia grega foi um campo fértil para a medicina moderna, que utiliza a simbologia dos mitos na psicologia.

As Civilizações do Mar Mediterrâneo: pilares da Medicina Oriental

A Grécia Antiga

A mais antiga fonte de informação sobre a medicina na Grécia antiga é a obra de Homero, para quem o médico é uma figura de respeito. Como a maioria das civilizações antigas, os gregos reconheciam a importância do sangue, mas não suas verdadeiras funções. A prática da sangria era comum, cortando as veias ou aplicando ventosas. Com o tempo, as influências orientais sobre a cultura grega tornaram a medicina cada vez mais sacerdotal. Para os gregos, ao contrário da maioria dos povos da Antiguidade, a religião era um mito poético. Os sacerdotes trabalhavam por dinheiro. Quando o tratamento feito por médicos leigos falhava, as pessoas recorriam a santuários de "Esculápio" (Deus da Cura). Nesses locais, a terapêutica era constituída de banhos e jejum.

A medicina científica

O filósofo grego Pitágoras foi o principal fundador da escola médica de Crotona onde conduziu seus primeiros estudos científicos sobre anatomia e fisiologia. Alcmeon, contemporâneo de Pitágoras elevou a medicina à categoria de ciência. É dele a descoberta dos nervos ópticos e da trompa de Eustáquio do ouvido, além de ter sido o primeiro a afirmar que o cérebro é o berço do intelecto e dos sentidos.


Ilustração do séc. XI - comentários de Apolônio de Quitiron sobre o Peri athron, de Hipócrates, sobre método para tratar vértebra deslocada

Hipócrates: pai da medicina

"Breve é a vida e longa é a arte; a ocasião é fugaz; a experiência é enganosa, o julgamento é difícil".

Portanto, o médico deve não somente ele próprio cumprir seu dever, como também estimular a cooperação do paciente, de seus assistentes e todos mais, em suma. Esse é o primeiro dos aforismos que compõem o

legado de Hipócrates, chamado de pai da medicina; era um médico ambulante e, em função do ofício, percorreu toda a Grécia, além de ter possivelmente, visitado a Líbia e o Egito.
Sua longa vida, de uns noventa anos, permitiu-lhe acumular grande prestígio. Para Hipócrates, assim como para os médicos hoje, os sintomas são apenas manifestações exteriores de algo que está ocorrendo no organismo. A febre, por exemplo, não é uma doença em si. Ninguém mais do que Hipócrates atribuía à profissão de médico um rígido compromisso ético.


Não (poderia) jamais consentir que um homem, o qual não tenha conhecimento de si mesmo, possa ser sábio. Pois chegaria mesmo a dizer que justamente nisto consiste a sabedoria em conhecer-se a si mesmo; e concordo com quem em Delfos colocou como inscrição a frase famosa. (Platão, Cármide, 164)



Médico procura extrair uma ponta de flecha da coxa do herói Enéas - Pompéia - Início da Era Cristã

Império Romano

Na Roma antiga, cada chefe de família era um médico; atendia os parentes em todas as necessidades, desde a queda de cabelo até a dor de cabeça. A Grécia, famosa por sua ciência, transmitiu aos romanos os conhecimentos que acumulara. Em 91 a.C. Asclepíades chegou a Roma, vindo da Ásia Menor. Estou em Alexandria o grande centro científico da época. Quando se fixou em Roma, sua fama se espalhou rapidamente.

Em vez de prescrever remédios amargos, nos quais não tinha confiança, ele recomendava dietas, exercícios, caminhadas, banhos e massagens, sendo considerado o primeiro "higienista". A cirurgia era muito mais valorizada que a prática médica ou a terapêutica. Os cirurgiões romanos extraíam amígdalas, operavam catarata e faziam inúmeras outras intervenções. Mas a maior especialidade desse povo de guerreiros era extrair os objetos que se introduziam no corpo dos soldados durante as batalhas.

Sorano, pai da obstetrícia e da ginecologia
Na época romana, tanto a magia quanto a habilidade da parteira tinham importância na hora do parto. No início do século II destacou-se em Roma outro médico vindo da escola de Alexandria: Sorano de Éfeso. O maior tratado de Sorano cuida das "moléstias de senhoras" e até 1400 foi o único livro de ginecologia e puericultura. Nele é descrita a conformação do aparelho genital feminino e se explica a vida sexual. Ele fala ainda sobre a gravidez, posições normais e anormais do feto e ainda sobre a assistência ao parto.

Cláudio Galeno
Ainda na época de Sorano, chegou a Roma, Cláudio Galeno. Nascido em Pérgamo, na Grécia, por volta de 130 d.C., Galeno estudou em Esmirna e Alexandria. No ano de 162, partiu para Roma, onde rapidamente conquistou a reputação de médico e escritor, tornando-se médico particular e amigo de dois imperadores, Marco Aurélio e Lúcio Vero. A primeira edição de sua obra era composta de 22 grandes volumes, o equivalente à metade da literatura médica grega e romana. Os estudos e os livros de Galeno, a maior parte perdida no tempo, abrangiam os campos de anatomia, da fisiologia, da patologia, da sintomatologia e da terapêutica. Durante cerca de quinze séculos, os ensinamentos de Galeno foram aceitos como infalíveis na Europa por quase todos os médicos.
Embora não fosse cristão, Galeno acreditava em um deus único, declarando que o corpo era o instrumento da alma. Por isso seus ensinamentos eram aceitos perante a Igreja Católica e também pelos sábios árabes e judeus.

 

O declínio de Roma
A corrupção em níveis público e privado, a opressão das minorias e a pobreza crescente, além dos ataques bárbaros a territórios romanos, são os principais fatores que culminaram com a queda do império romano. Outra causa do declínio foi a série de epidemias que varreu o império, o que acabou por afetar diretamente a medicina. O alto índice de mortalidade com as epidemias fez com que as pessoas se afastassem da razão e da ciência. O espírito cristão era tão profundo que chegou a impregnar vários movimentos considerados heréticos pela Igreja. A seita nestoriana é um exemplo. Expulsos do império, os nestorianos foram para a Pérsia, onde fundaram a escola de Gondishapur, que viria a se tornar o berço da escola árabe de medicina.


Operação - Baixo relevo de Herculano, por volta do séc. I da Era Cristã

(...) Mais alimentados seriam eles próprios quanto mais alimentassem o estômago, o qual devolveria a todas as partes do corpo, aquilo com que vivemos e nos dá força, distribuindo igualmente pelas veias o fruto da digestão, o sangue. (Tito Lívio, XXXII - Apólogo de Menênio Agripa)

Psiquiatra Daniel Hercos - publicações selecionadas
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