História e Glória da Medicina
Parte 3

Assim Deus acolheu o homem
como obra da natureza:

"Coloquei-te no centro do mundo para que de lá melhor pudesses ver tudo quanto existe. Não te fiz nem celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, para que por ti mesmo quase livre e soberano artífice, pudesses esculpir-te na forma que virias a escolher".
Giovanni Pico Della Mirandola - "De Dignatate Hominis"

 


Exuberância e gênio da imaginação.
O mapa do mundo dentro da cabeça de um homem. Primórdios da Imprensa (1590) - Biblioteca Nacional de Paris

(*) Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta
por Daniel Hercos (*)

A Medicina entre homens
Iluminados e Absolutos

(A ERA DOS REIS)

Publicado na Revista JM Magazine, n.º14 - Maio e Junho/2006

A Renascença e Leonardo da Vinci

O fim da época medieval fica marcado com a tomada da cidade de "Constantinopla" pelos Turcos Otomanos com os exércitos de "Mohamed - O Conquistador" em 1453 (Queda do Império Romano no Oriente). Na Europa teve início o movimento cultural caracterizado pela retomada do interesse pelos conhecimentos antigos por meio do estudo direto das obras gregas e romanas, a "Renascença".

 


"A tomada final de Constantinopla".
Miniatura de Jean Mielot (Séc. XV)
Biblioteca Nacional de Paris

Deus continua presente no pensamento, mas o homem já não é mais uma criatura exclusivamente, agora ele é um Criador.
A influência dessa renovação na mentalidade logo se faz sentir no campo da Medicina.

 

Leonardo da Vinci, mestre das artes e da ciência se interessou pela anatomia sem preconceitos, contando apenas com as próprias observações e experimentações. Quando esteve a serviço da família Borgia em Roma, dissecou mais de 30 corpos a luz de velas, trabalhando no necrotério de "Santo Spirito", onde fez milhares de desenhos a partir das dissecações.

A preocupação com o movimento mostra-se evidente em todos os desenhos anatômicos, mais do que uma descrição, ele elaborou com base nas partes do corpo humano verdadeiras obras de arte.


Estudo anatômico de Leonardo da Vinci.
Ano de 1510, Florença

 
 

Somos enganados por promessas, iludidos pelo tempo e a morte zomba de nossos cuidados; as ansiedades da vida nada são.

Leonardo da Vinci
nasceu em "Anchiano" - Itália, pequeno vilarejo perto da cidade de Toscana de "Vinci" no dia 15 de abril de 1452 e morreu no "Castelo de Cloux" - França no dia 2 de maio de 1519.

Analisou o sistema muscular e reconheceu a ação específica de cada músculo, além de estudar as válvulas das veias. Ele desenhou as artérias coronárias e seu curso, mas não acertou a localização do septo que divide as partes esquerda e direita do coração. Se tivesse acertado, teria descoberto a circulação sanguínea.

Vesálio, cirurgia e alquimia

Apesar da qualidade dos trabalhos de "Leonardo da Vinci", "Andreas Vesálio" (1514-1563), nascido em Bruxelas, é considerado o pai da anatomia. Foi considerado corajoso, pois descartou dogmas de Galeno, tidos como intocáveis. Em 1543, com apenas 28 anos de idade, completou sua obra máxima "Sete livros sobre a estrutura do corpo humano", a base da Medicina moderna. Além de ter que enfrentar as acusações de má-fé, foi ameaçado pela Igreja.



Anatomia do braço.
Andreas Vesálio (1514-1564)
Museu Kunsten, Orleans

Irritado, o anatomista juntou todos os seus trabalhos não publicados e os queimou. Em seguida, partiu para Pádua, tornando-se médico do imperador Carlos V e mais tarde de Felipe II da Espanha. Terminava assim uma brilhante carreira científica.
O palco de guerra serviu para que os cirurgiões aprendessem novas técnicas de tratamento.

 


Amputação - De Hans von Gersdorf (1517)
Museu de Sraatsburg

Foi assim com o francês "Ambroise Pare" (1517-1590), que viria se tornar o maior cirurgião da Renascença. Ele inventou novos instrumentos cirúrgicos e interessou-se pelos deficientes físicos, a quem proporcionou assistência artificial e engenhosa. Ainda entre os cirurgiões de final da Renascença, destaca-se "Gaspare Tagliacozzi" (1546-1599), professor de Medicina em Bolonha, responsável por grandes avanços na área de cirurgia plástica. Tagliacozzi, fez questão de divulgar sua técnica, que consistia em restaurar o nariz com um pedaço de pele tirada do braço do paciente, devendo ficar seguro por algum tempo até que a pele nova aderisse ao nariz. Além disso, ele fazia operações para restaurar orelhas, lábios e língua.

O século XVI, retrata uma profunda contradição entre toda uma tentativa de tornar o mais racional possível o conhecimento da natureza e o seu oposto, que era o misticismo ligado às tradições do ocultismo, carregado de teorias irracionais. "Paracelso", nasceu em 1493, na Suíça, e foi discípulo de seu pai.

 

Figura brilhante e controvertida teve muitos admiradores, como também muitos críticos, sem nunca conseguir decidir se seu interesse maior era pela Medicina ou pela magia, alquimia e cabala. Foi por causa de Paracelso que os remédios químicos foram introduzidos na Medicina e que a farmacologia começou a utilizar muitos produtos novos. Escreveu ainda sobre a epilepsia e a "mania de dançar" ou, como foi chamada mais tarde, a histeria coletiva. Paracelso morreu em 1541, com 48 anos de idade.



Laboratório de um alquimista
De Jan Stradanus (1570) - Biblioteca Nacional de Paris
 

IATROFÍSICA E IATROQUÍMICA
(Física e Química aplicadas na Medicina)

Um dos fundadores da escola de iatroquímica foi "Santorio Santorio" (1561-1679), professor da Universidade de Pádua e inventor do termômetro clínico. Outra figura importante da iatrofísica foi "Gian Alfonso Borelli" (1608-1679), professor de matemática na Universidade de Pisa. Borelli tentou explicar os fatos mais importantes da vida animal em termos mecânicos.
A escola de iatroquímica foi fundada por "François de la Boë" (1614-1672), mais conhecido como Franciscus Sylvius. Ele afirmava que todos os fenômenos fisiológicos podiam ser explicados em termos químicos. A iatrofísica floresceu principalmente na Inglaterra, tendo como representante maior "Thomas Willis" (1621-1675). Ele foi o primeiro a notar o gosto adocicado da urina dos diabéticos, a descrever a doença hoje conhecida como miastenia grave e a descobrir e nomear a febre puerperal (do parto). Willis escreveu ainda sobre as doenças nervosas, incluindo paralisia geral e a histeria.


 


A Lição de anatomia do "Dr. Nicolaes Tulp"
Rembrandt, 1632 - Museu Mauritshuis, Haia

A Idade de ouro e o iluminismo

O século XVII trouxe um grande avanço para a obstetrícia com a introdução do fórceps pela família Chamberlem, o maior obstetra da época foi "Mauriceau" (1637 - 1709). Ele publicou um famoso manual em 1668, contendo o primeiro estudo preciso sobre a pélvis feminina, sendo utilizado até o século XVIII.
Enquanto a literatura e a arte floresceram na Renascença, o século XVII foi a "Idade do Ouro" da ciência. Os criadores das ciências naturais - "Kepler", "Galileu" e "Newton" - insistiam na necessidade do estudo direto da natureza com um senso crítico objetivo, sem preconceitos e dogmas.


Na nova era da ciência, a observação constante e precisa era o primeiro requisito, seguida da experimentação, como forma de se testar as hipóteses e da matemática, que possibilitava a compilação de uma grande variedade de fatos numa fórmula fundamental. A Medicina voltou-se para as ciências naturais e a pesquisa experimental.
"William Harvey" nasceu em Folkstone, em 1578. Estudou na Universidade de Pádua em 1598, onde Galileu lecionara. Durante suas investigações sobre o sistema vascular, descobriu a circulação sanguínea que anunciou no ano de 1616; em livros sobre a anatomia e circulação publicados 12 anos depois. Harvey explicava como o sangue fluia do ventrículo esquerdo do coração para a aorta sendo então distribuído para todas as partes do corpo.
O século XVIII começou com a Guerra da Sucessão Espanhola, o surgimento dos "Estados Unidos da América" e a "Revolução Francesa". Foi um período de fortes mudanças políticas e idealismos revolucionários que se estendiam por todas as áreas do saber. Surgiu aí a figura do médico mais ou menos como a conhecemos hoje, cuja prática baseava-se em sólidos conhecimentos científicos.
O iluminismo do progresso científico refletiu-se na Medicina, aumentando a consciência sobre o sofrimento dos pobres enfermos, o que levou a construção de hospitais municipais e enfermarias.
 

O intelecto humano, por sua própria natureza tende ao abstrato e aquilo que flui; permanente lhe parece. Mas é melhor dividir em partes a natureza do que traduzir em abstrações.

Francis Viscount Albans Bacon
(1561-1626)

Aquele que experimenta êxtases, visões, que confude os sonhos com realidades e suas imaginações com profecias é um entusiasta, aquele que alimenta a sua loucura com o crime é um fanático.

François Marie Arouet de Voltaire (1694-1778)

   



A têndencia ao estudo sistemático crescia em vários setores. Na área das ciências naturais, por exemplo, o médico e botânico sueco "Carl von Linne", ou Lineu (1707-1778), desenvolveu um sistema de classificação de plantas e animais, colocando o homem na categoria dos primatas sob o nome de Homo sapiens, de acordo com a nomenclatura que criou para todos os seres vivos.
O vitalismo era diferente do animismo, ocupando uma posição intermediária entre as doutrinas materialista e espiritualista, e apregoando o conceito de um princípio especial distinto tanto da matéria quanto da alma racional.



Daniel Santos Hercos

Os principais representantes desta corrente foram o francês "Theophile de Bordeu" (1722-1776), que ensinava que a saúde era a coordenação da vida individual de cada órgão, e "Phelippe Pinel" (1756-1826), o grande reformador da Psiquiatria.
 
 

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