O INVERNO SOB
O SOL DO CERRADO


Daniel Santos Hercos (*)

 

 

Outro dia um amigo perguntou se já tinha visto o pôr do Sol no cerrado. Eu comentei que sim, mas nunca tinha prestado atenção. Ah! Ele exclamou, nesta época do ano é a coisa mais linda que existe! Recentemente um colega me contou que ao entardecer na fazenda, o Sol se esconde acompanhado de araras azuis que parecem vir das colinas... Como se pudessem completar por sabedoria a pintura da natureza. A vida vai nos ensinando que amizades enriquecem e inspiram. Somos todos pobres humanos, frágeis e aflitos, mas as vezes laços inconscientes enredam  passos e abrem nosso coração. Nosso olhar precisa ser mais atento, sempre vale a pena apostar na vida: elemento de amor, desafio, esperança, descoberta e alegria.

No inverno aqui do cerrado, o céu é ainda mais azul, límpido e  exuberante. Acredito que sou um inventor de histórias e as palavras minha matéria prima. Cada um de nós tem sua parcela de dons: contemplar, escrever, ensinar, pintar ou simplesmente sonhar para que os outros sonhem. Podemos assim lançar a vida pelos céus e  aos quatro ventos. Ter claramente um bom começo para revitalizar o espírito neste vasto oceano azul onde nossa eventual desarmonia é apenas uma gota desafinada. Homens convertidos à presença da luz e do lento pincel que desenha nossos contornos junto às arvores tortuosas que firmaram neste chão de cerrado no centro do Brasil. Amantes sempre a contemplar um sol dourado que nasce e  recolhe como um desmanche de tons e cores, afagado pela doce brisa destes meses de meio do ano.

A existência é uma escultura que se faz sozinha, imponderável como a obra de arte. Precisa de ar para desabrochar, exala perfume próprio que perdura com sensatez na busca da renovação. Sempre insistindo  na teimosia de não murchar e encerrar. Precisamos sonhar nestas coisas que parecem reais, pois não podemos enganar o tempo e a morte. Existir é uma trama complicada de questões com respostas pouco sensatas. A ciência exata falha neste território singular. O  inverno aqui não é branco nem esconde vida. Ele se desdobra em beleza num lindo cenário esculpido com capricho e precisão a compor as quatro estações.

(publicado no Jornal da Manhã de 11 de julho de 2008)

 

(*) Médico Psiquiatra da UFTM
Membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria

Psiquiatra Daniel Hercos - publicações selecionadas
WebDesign por Paulo Henrique Lopes