Joan Miró - Ciphers & Constellations


 

PESSOAS NÃO MORREM!


Daniel Santos Hercos (*)

O luto, reação vivenciada diante da morte de um ser amado, é um processo que evolui através de lembranças intercaladas. Cenas agradáveis e desagradáveis geralmente acompanhadas de sofrimento e perplexidade. No vazio interior sopra o vento da revolta e amargura. Por mais devoradora que seja a mesma perda que derruba faz voltar a crescer. Lidar com a morte, não permitir que seja vista como uma injustiça pessoal ou traição de vida torna-se um aprendizado neste momento de nossa existência.
Muitos procuram se confortar com ajuda profissional, outros se bastam com a fé religiosa.

Penso que o tempo não existe a não ser como convenção pelos rastros que deixa em nossa alma. Com a realidade não é muito diferente: em que medida ela existe ou é um sonho, uma espécie de alucinação? Gosto de contar historinhas que passam perto do delírio e da poesia! Imaginem... Olhar para o céu ensolarado de uma única vez e querer enxergar toda claridade lá existente, com certeza ficaríamos ofuscados pela luz excessiva encontrando apenas escuridão. Assim, precisamos recobrir nossos olhos para poder de forma gradativa abrir frestas. Perceber aonde vai o horizonte e seguir de forma serena rumo ao destino pré estabelecido desde que nascemos.

Não são historinhas falsas, brotam da nossa eventual contemplação e reavaliação de nossa existência. Já observaram as flores de um jardim? Apenas pelo belo colorido já remetem aquilo que a natureza faz de melhor. Elas sempre abrem em botões como se quisessem ver aos poucos a vida que as espera. Parecem insistir nos ensinamentos do sentido de tudo, infinitamente colocadas diante do nosso ínfimo posto.

Que bobagem! Pessoas não morrem! Independente de dogmas religiosos existe uma regra que serve a todos nós. Olhem para o céu de novo, mas agora é noite e as estrelinhas brilham! As lembranças daqueles que amamos e perdemos podem ser comparadas a cada estrela, e acreditem, formam verdadeiras constelações. Enquanto pensamos, conversamos no íntimo de nossa alma, elas permanecem vivas e brilham em nossas mentes. Atuam como se assim estivessem. Gerações inteiras podem passar e as relembranças contadas pelos ascendentes fazem com que no imaginário as pessoas sobrevivam no semblante de sua face e de suas histórias pela fantasia de cada um. Até que um dia, num futuro bem distante, ninguém mais fale delas e assim como estrelas elas se percam pela eternidade.

 

(*) Médico Psiquiatra da UFTM
Membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria
Publicado no Jornal da Manhã em 22/02/2008


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