A primavera. Claude Monet, Giverny 1886


 

Senhor do tempo e das flores.

O dono da vida.


Daniel Santos Hercos (*)

Abri o jornal de domingo e vi algo diferente na primeira página. Belíssimas fotos de árvores e a frase:

"Depois das floradas dos ipês rosa e branco, a florada
do amarelo é aguardada e com a chegada das
chuvas as flores deste vão cair no barro...”

Gosto de falar destes temas. Lembrei que é quase primavera. A natureza torna-se ainda mais bela. Acredito que as mudanças de estação são ensaios de vida e promovem contatos amorosos. Brinco com o tempo; assim posso cultivar meu encantamento e dar substrato à minha profissão.

Velhos e jovens, algum remédio deve ser buscado na realidade. Através das fantasias derrubamos mitos arcaicos que transcendem linguagem, raça e geografia ao revelar muito a respeito de nós mesmos. A vida pode ser precária, cheia de buracos com armadilhas inconscientes preparadas para nossos próprios passos. Na verdade o que está mergulhado no íntimo é nosso maior tesouro e o mais insidioso perigo, pois enlutados e persistentes não se organizam emocionalmente e cultivam a dor.

Vida e morte, relacionamentos humanos, o mistério de tudo e o sentido de algumas coisas. Neste mundo perigoso, agitado e fascinante nunca foi tão importante falar das flores. As roxas, amarelas, vermelhas, brancas e outras que desabrocharem, cada vez mais lindas para colorir aquilo que tentam nos tomar pelo medo e frustração. Nossos sonhos e desejos, disfarçados em delicadeza numa viagem que enxerga constantes miragens no grande deserto. Se num dia enfrentamos uma fera, no outro teremos a esperança do pouso dos passarinhos. Se houver sofrimento, resignação, decepção que o ciclo de nossa vida seja repleto de esperança. Precisamos descobrir melhor aquilo que nos rodeia. Na verdade nem sequer há receitas para ser feliz. Nossa essência humana, frágil e aflita carece de amar e ser amada.

Fonte de alegria e risco de desgosto, viver é uma aventura. Alienados e neuróticos tendem a ficar perdidos na floresta escura. Aqueles que procuram conhecer melhor a si mesmos são capazes de encontrar caminhos mais facilmente e descobrir as clareiras que norteiam nossa existência. Com certeza os abertos, sinceros e humildes partem com vantagem neste caminhar. Felicidade não é um luxo, existe espaço para todos nós, nas quatro estações vistas da doce fonte da vida. Assim quando entrar setembro... com as boas novas chegarem as outras flores; seremos ainda mais otimistas.

 

(*) Médico Psiquiatra da UFTM
Membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria
Publicado no Jornal da Manhã, 23/08/2007

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